Profissão.
Meu avô paterno, João, era carpinteiro, como o Gepeto e usava avental e tamancos de madeira. A sua oficina ficava nos fundos da casa, na rua Leopoldina e era muito bom poder ficar por lá, vendo-o trabalhar sozinho, ou com um dos dois filhos que o seguiram na profissão. Transformava com apenas um formão e uma lixa, pedaços de madeira sem nenhuma expressão em caixas para relógios com lindos florões, e várias outras coisas, que lhe eram encomendadas mas, principalmente, fazia lindas miniaturas de móveis para eu brincar de casinha. Eu, era a única entre as minhas amigas que tinha um quarto de boneca completo: cama, guarda roupas e uma linda penteadeira com espelho, tudo isso envernizado!
Foi através dele, jeitão italiano,que eu conheci o que até hoje considero uma das maravilhas do mundo: o Kaleidoscópio, (que deveria ter o nome sempre escrito assim, com K). Ele havia feito um, ainda rústico, com caquinhos de vidros coloridos e conseguiu me deixar deslumbrada com aquela beleza e aquele brilho, inéditos a cada movimento. Foi também através dele e dos meus tios, que eu conheci o bilboquê, o estojo de escola de madeira, com tampa deslizante, desenhada com um pirógrafo, e muitas, muitas outras coisas.
Mas, como Gepeto não era, não fez pinóquios, e sim, lindos recortes no papel que me entregava dobrado, e quando eu o abria saltavam bonequinhos de mãos dadas, ou então formas geométricas, que aos meus olhos eram perfeitas, e nós dois alí, ele sentado perto do rádio, numa daquelas cadeiras de dois braços e eu num banquinho à sua frente, em silêncio, curtíamos aquele momento.
Hoje, eu , talvez mais velha do que ele era naquela época , e sem nunca ter conseguido fazer um único recorte que desse certo, nem para impressionar minhas netas, aquelas menininhas lindas, compreendo que talvez, naquele momento,o que ele precisava mesmo era me manter bem quietinha, para poder ouvir com toda a atenção do mundo, a "Hora do Brasil". Inesquecível introdução, momento solene, respeitado por toda a famlia.