quarta-feira, 25 de maio de 2011

Profissão.

       Meu avô paterno, João, era carpinteiro, como o Gepeto e usava avental e tamancos de madeira. A sua oficina ficava nos fundos da casa, na rua Leopoldina e era muito bom poder ficar por lá, vendo-o trabalhar  sozinho, ou com um dos dois filhos que o seguiram na profissão. Transformava com apenas um formão e uma lixa, pedaços de madeira sem nenhuma expressão em caixas para relógios com lindos florões, e várias outras coisas, que lhe eram encomendadas mas, principalmente,  fazia lindas miniaturas de móveis  para eu brincar de casinha. Eu, era a única entre as minhas amigas que tinha um quarto de boneca completo: cama, guarda roupas e uma linda penteadeira com espelho, tudo isso envernizado! 
     Foi  através dele, jeitão  italiano,que eu conheci o que até hoje considero uma das maravilhas do mundo: o Kaleidoscópio, (que deveria ter o nome sempre escrito assim, com K).  Ele havia feito um, ainda rústico, com caquinhos de vidros coloridos e conseguiu me deixar deslumbrada com aquela beleza e aquele brilho, inéditos a cada movimento.  Foi também através dele e dos meus tios, que eu conheci o bilboquê,  o estojo de escola de madeira, com tampa deslizante, desenhada com um pirógrafo,  e muitas, muitas outras coisas.
    Mas, como Gepeto não era, não fez pinóquios, e sim, lindos recortes no papel que  me entregava dobrado, e quando eu o abria saltavam bonequinhos de mãos dadas, ou então formas geométricas, que aos meus olhos eram perfeitas, e  nós dois alí, ele sentado perto do rádio, numa daquelas cadeiras de dois braços e eu num banquinho à sua frente, em silêncio, curtíamos aquele momento.
    Hoje, eu , talvez mais velha do que ele era naquela época , e sem nunca ter conseguido fazer um único recorte que desse certo, nem para impressionar minhas netas, aquelas menininhas lindas, compreendo que talvez, naquele momento,o que  ele precisava mesmo era  me manter bem quietinha, para poder ouvir com toda a atenção do mundo, a "Hora do Brasil". Inesquecível introdução, momento solene, respeitado por toda a famlia.
  
   

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Pensamentos.

     E eu que pensava que estava guardando lá no alto do armário, umas lembranças dos anos escolares dos meus filhos... Pensava...Um belo dia, mais pela curiosidade do Chris. que como eu curte bem o passado, resolvi tirar aquelas pastas, e rever aqueles alfarrábios. Surprêsa total! Do meio daquelas garatujas, o que eu ví de fato foi, entre outras coisas,  o primeiro dia de aula do Gú lá no Cecília Meireles, o teste de seleção do Chris no Santo Agostinho, e a Sarah vestida de patinha no Peter Pan ou ainda, o Gustavo e o Christiano, banho tomado,  mochila nas costas descendo a rua apressados para pegar o ônibus, ou o Gustavo subindo a rua de mãos dadas com a Sarah depois de buscá-la na escola.
    E  naquele momento revendo meus filhos crianças, os vi adultos como estão agora e reconheci o real sentido de ter guardado tudo aquilo naquelas pastas de plástico colorido:  dar a eles a possibilidade de saberem que o processo foi longo, nem sempre foi leve, mas deixou muitas saudades e sobretudo valeu à pena , Mais do que isso, para  que  não lhes restasse  nenhuma dúvida  de que afinal  "o menino é mesmo o pai do homem".

sábado, 7 de maio de 2011

Paliativo

    Quando eu tinha uns oito anos, estudava no Grupo Escolar  Bernardo Monteiro. Lembro-me do prazer de produzir, eu mesma,  um presente para a minha mãe, lá na escola. Não era lá nenhuma obra de arte, é bom que se diga, e cá estou eu, puxando pela memória, porque sei que era a cara de uma boneca,  cabelo feito de lã, e uma argola grande, no lugar do pescoço, onde deveria ser pendurado um pano de prato.Imagino que  a tal boneca e a argola fossem de madeira mas não me lembro direito, por mais que eu tente. Enfim... também não me recordo de como a minha mãe reagiu ao receber o presente mas não me esqueço  de como o vigiei, no prego logo acima da pia, dia após dia, até que o cabelo de lã caiu e finalmente, da parede da cozinha, que tinha se tornado o ponto turístico da casa o porta pano de pratos passou prum cantinho perto do tanque e discretamente sumiu. Mas aqueles, foram dias de glória prá mim e isso aconteceu há tanto tempo, que até então eu nunca tinha visto uma televisão, uma geladeira, uma boneca de plástico ou de louça e segundo meus cálculos foi neste ano que morreu o Papa Pio XII. Mas eu me lembro que eu fiz um presente pra minha mãe, e me orgulhei dele. E hoje essa lembrança me traz felicidade